Bem vindos!

O blog sobre Ética e Cidadania

Carta de um crítico culinário sobre restaurante de transgênicos

Caro João,

Semana passada fui até o "restaurante transgênico", aquele mesmo que vimos o comentário no jornal. Pois bem, sendo eu um crítico gastronômico e você, meu caro amigo, um grande admirador da cozinha e de paladar aguçado, resolvi escrever-lhe e relatar a maravilhosa experiência que tive naquela noite.

O prato de entrada prenunciava os conceitos : uma deliciosa salada de proteínas sintéticas e lipossolúveis equilibrava-se junto ao tempero cítrico, compondo a mais apetitosa salada que já provei. A cevada, feita da mais pura seleção de genes, e os grãos integrais de flor de macieira misturados no creme para a salada, ampliaram ainda mais minha experiência de misturas de texturas.

O primeiro prato foi sobremodo maravilhoso, mas a epifania do paladar manifestou-se de fato com o prato principal, um original Coq au Vin, cujo frango com carotenóides (1) estava inebriante. O molho, com uma mistura original de alginato de propilenoglicol e monolaurato de sorbitano (2), junto é claro, com o finíssimo vinho francês, levemente adoçado com aspartame (3) e com uma leve textura devido aos sacaridoglicéridos (4), presumo, compunha a magnífica tríade da noite, seguida pelo acompanhamento da majestosa batata gratinada com hololectinas (5).

Confesso que a batata gratinada causou-me certa preocupação, uma vez que fui advertido que tais proteínas como a hololectina poderiam causar a aglutinação do sangue, contudo, o após uma gorda gorjeta o garçom garantiu-me que não haveria problemas. Por precaução, entre os intervalos das soberbas garfadas media meu pulso com a mão, apenas para verificar se tudo andava bem.

Pois bem, a comezaina sofisticada terminou com um coulis de morango, morangos estes, com o perdão do pleonasmo, extraordinariamente excepcionais. Únicos de uma espécie demudada produzida in vitro com seleção dos melhores genes de damasco, manga e macadames, o morango era por assim dizer tudo, menos propriamente um morango.

O creme, corado sutilmente com um tipo de caramelho sulfítico caústico (6) compunha aos olhos as perfeitas cores do pecado doce. Espantei-me, contudo, quando percebi que além do caramelho sulfítico, a principal base para o corante do doce era o licopeno (7), sim, o mesmo licopeno dos tomates e da melancia. Confesso que achava ainda muito cedo liberar o licopeno, recém chegado nos alimentos modificados da estação, contudo, preconceitos a parte, o jantar estava um deleite!

E foi nesta noite delirante e arrebatadora de aromas, sabores e texturas que adquiri a minha melhor experiência gastronômica, e declaro que não me arrependo, mesmo agora estando internado devido à reação da hololectina e admito, valeu cada garfada. Por falar nisso, comida de hospital feita com alimentos orgânicos depois daquele jantar tornou-se um verdadeiro assassinato ao meu paladar, por assim dizer, horrível!

-------------------------------------------------------------------------------------------------

(1) – Carotenóides são as organelas vegetais mais importantes (depois dos cloroplastos) para a fotossíntese.

(2) - Alginato de propilenoglicol e monolaurato de sorbitano são aditivos alimentares geneticamente modificados (OGM), com função de emulsionantes, estabilizadores, espessantes e gelificantes.

(3) – Aspartame é um edulcorante (ou adoçante), utilizado em larga escala como adoçantes de bala e doces industrializados.

(4) – Sacaridoglicérido é um tipo de emulsificante também classificado como geneticamente modificado (OGM), utilizado para adquirir textura aos alimentos.

(5) – Hololectinas: a primeira batata transgênica possuía quantidades significativas desta proteína, proibida pela OMS (Organização Mundial da Saúde) pelo fato de se ligar com a hemoglobina e causar a aglutinação do sangue. Estudos recentes comprovam que as lectinas também podem ser cancerígenas.

(6) - Caramelho sulfítico caústico é um corante artificial também classificado com geneticamente modificado (OGM).

(7) - Licopeno: substância carotenóide que confere a cor avermelhada do tomate, melancia e goiaba. É utilizado como corante e classificado como geneticamente modificad (OGM).

- OGM: Organismos Geneticamente Modificados.

- Coq au Vin: delicioso frango ao molho com vinho - original da cozinha francesa.

0 comentários:

Postar um comentário

 
©2009 O Eticida - As diversas faces da ética... | by TNB